Wednesday 10 February 2010

Segredo de justiça - a estratégia socrática II

Vejamos então o que se pode dizer sobre a pretensa violação do segredo de justiça praticada pelo Sol na edição da passada sexta-feira:


1) Antes de mais, a notícia diz apenas respeito a escutas em que o Primeiro-Ministro não intervém e, como tal, a escutas válidas, porque autorizadas pelo juiz de instrução competente (o de Aveiro).


2) Tendo as escutas publicadas pelo Sol transitado com as certidões de Aveiro para o pré-inquérito aberto por Pinto Monteiro para averiguação da existência de indícios da prática de um crime pelo Primeiro-Ministro, e considerando que esse processo findou e transitou em julgado com um arquivamento por parte do PGR, necessário é também reconhecer-se que as mesmas não estão abrangidas pelo segredo de justiça, na medida em que este só se mantém enquanto o processo estiver em investigação. O que, como se sabe e é público, já há meses que não é o caso.

3) Do que se retira que, sendo o processo público, qualquer cidadão que nisso demonstre um interesse atendível pode requerer a consulta do mesmo e veicular nos meios de comunicação social o que nele apurou. Pode, inclusivé, confirmar a veracidade da notícia do Sol, confrontando a mesma com o que consta do processo, com a única limitação de não poder aceder, nem fazer publicar, as escutas em que intervém o primeiro-ministro, visto que as mesmas - mal ou bem - foram invalidadas e mandadas destruir por Noronha do Nascimento.

4) Mesmo que assim não fosse, isto é, mesmo que as referidas escutas estivessem em segredo de justiça - o que, repita-se, não é o caso -, a jurisprudência dos tribunais europeus, a que os nossos devem respeito, vai no sentido, sempre afirmado e reiterado, de que a violação de tal segredo é admissível desde que a notícia seja verídica e releve de um interesse público susceptível de se sobrepôr às necessidades da investigação e à defesa da honra e do bom nome dos arguidos.


5) Tanto assim é que o Estado Português tem sido condenado por diversas vezes a indemnizar jornalistas e jornais em virtude de condenações impostas pelos nossos tribunais àqueles por violação do segredo de justiça, facto que, com toda a certeza, uma constitucionalista reputada como a Isabel Moreira não desconhece.


6) Conclusão: respeitando a notícia escutas válidas, constantes de um processo transitado em julgado e por isso público, e, para mais, sendo o seu conteúdo verídico e de inegável interesse público, é impossível sustentar a tese de que os jornalistas do Sol violaram o segredo de justiça. Sendo a notícia irritantemente lícita quanto aos meios da sua obtenção, não resta ao governo senão esclarecer a opinião pública sobre o seu conteúdo, o que, até agora e passada uma eternidade sobre a edição do Sol, ainda está por fazer.