Wednesday 10 February 2010

Do último recurso

Os tentáculos que caracterizam o capitalismo de Estado descrito pelo Paulo Marcelo não deixam muito espaço argumentativo aos que se opõe a que o Estado esteja totalmente fora destas empresas.

O que esta crise tem de suscitar - o lado positivo disto tudo - é uma serena discussão sobre as reformas institucionais de que precisamos, perceber como devem ser nomeados e avaliados os reguladores, desta nação. Desde o Procurador aos reguladores das actividades económicas ao Governador do Banco Portugal. Não é mudar tudo, ou não é necessariamente mudar tudo, mas é pensar tudo. E' uma grande discussão que nunca tivemos e que urge.

A pergunta difícil é sempre: e quem regula o regulador? Há sempre a dificuldade de pensar no que é o "último recurso". Contudo, esta dificuldade assenta numa lógica errada de pensar uma sociedade liberal, uma lógica linear, onde as hierarquias são verticais. Numa sociedade liberal pujante não há apenas hierarquias claras (verticais), há essencialmente poderes que podem e devem vigiar-se mutuamente - por isso não tenho pejo em elogiar o arquitecto Saraiva por publicar o que publicou, independentemente do que penso dele como jornalista.

Portugal não vive bem com esta ideia de vigilância mutua, que nasce da aceitação de um contrato, real ou pensado, em que as partes, conscientes da natureza humana e das fraquezas próprias do homem, e então do homem político, aceitam que essa vigilância, no sentido mais nobre da palavra (não no sentido pidesco-bufeiro), é essencial à garantia dos direitos e liberdades.
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[O Ministro da Justiça, talvez mais que o Primeiro Ministro, ao defender da forma como defendeu os mais altos magistrados da Nação, deu provas de nao respeitar o circulo sagrado da separação de poderes. E isto sao de facto factos, e muito preocupantes, que só corroboram, à luz das declarações de Alberto Martins, a suspeição de promiscuidade inaceitável entre os poderes políticos e judicial.]
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No fundo, numa sociedade liberal, não existe um "último recurso", mas sim uma pluralidade de instâncias a que recorrer. Mas sendo estes finitos, é natural que quando muitos deles se calem ou sejam complacentes com situações onde é provado, ou altamente provável, ter havido mau uso de poderes públicos, se ouça falar em "último recurso". É a prova de que parte da "roda" deixou de funcionar, e que todos olham para um determinado bico do que é afinal um triângulo.