Sunday 14 March 2010

Lições de Mafra - Passos Coelho não cumpre os mínimos

A iniciativa meritória de Santana Lopes de convocar um congresso - muito criticado pelos apoiantes de Passos Coelho - traduziu-se num sucesso para o partido, ainda que muito tenha prejudicado a viabilidade nacional dessa candidatura. Por razões óbvias.

A capacidade de discurso é essencial a qualquer político que alguma vez queira vir a ser primeiro-ministro. Constitui - nem é preciso meter o "explicador" - um requisito mínimo para quem aspire ao cargo. O que se viu no congresso de hoje permite uma conclusão evidente: Passos Coelho não cumpre os mínimos. 

Quando se esperava num primeiro discurso que o candidato se dirigisse ao partido e ao país para dizer "ao que vem" e que propostas tem para contrapor ao descalabro socialista, o que se viu e ouviu foi uma peregrinação quase anedótica e em tom justificativo pelo seu percurso de vida, desde o berço até à administração da empresa do padrinho - "Ó Ângelo, estás aí Ângelo?" -, passando pelos tempos de jotinha laranjinha. Como se tal tivesse o mínimo interesse para os eleitores ou sequer para os militantes que querem dele uma coisa muito simples: um programa que permita derrotar os socialistas. 

Mas o pior ainda não tinha chegado: Passos Coelho termina a intervenção a exigir o perdão da parte de Alberto João Jardim a quem, numa situação de tragédia que contabilizou mais de quarenta mortes, atacou ferozmente sem razão aparente. "Saiu-lhe mal", dizia Marcelo, que faz de Pilatos neste congresso em busca de uma unanimidade em torno da sua figura, que tem tanto de inútil como de desprezível. Não foi isso, Marcelo. Saiu-lhe como ele quis que saísse e deu-se o caso de nem os seus apoiantes mais ferozes terem podido justificar a ofensa. O que é bem diferente.  

Mas não foi tudo, porque o segundo discurso da noite serviu sobretudo para o candidato desdizer tudo o que tem vindo a afirmar nos últimos tempos. Lembremos o tom das intervenções anteriores: chumbo do orçamento, chumbo do PEC, demissão do PGR,  declarações tonitruantes -"governo está ferido de morte", só lhe falta a "estocada final"-, enfim, delírios avulsos para o militante sonhar que o poder está aí à distância de uns passinhos de coelho. Ora bem, tudo somado o que se retira agora de um total de quarenta e cinco minutos de discurso? Qual é agora a grande mensagem passista ao congresso, feita em forma de iluminação divina susurrada aos militantes? Pois, é isso: o pedido ao governo para que espere uns dias de modo a... poder ser Passos Coelho a selar o negócio do PEC com o Engenheiro Sócrates.  Estamos conversados quantos aos sonhos e aspirações do candidato.

Sociologicamente tão interessante como a débacle em directo para a televisão do candidato, foi o comportamento das suas hostes. Nestas duas intervenções constrangedoras, o silêncio geral da claque organizada que acompanhou os discursos de Passos Coelho assemelhou-se em tudo à descrição de Eça do comportamento dos espectadores que assistiam intervenções do Pacheco, essa luminária inventada pela prosa queirosiana das Correspondências de Fradique Mendes. Tal como com Pacheco, a multidão passista esperou e desesperou por uma revelação, uma iluminação, um golpe do génio imenso passista e, incrédula, ainda está para perceber como esse momento nunca chegou. 

Havia que compensar o desalento e da cartola do Congresso saiu um coelho que dá pelo título de autarca das Caldas e que no seu jeito boçal fez de Ribau de Passos. Discursos como os PPC exigem, de facto, medidas desesperadas. E muitos copos de tintol que, segundo rezam as crónicas da sic-notícias, o autarca terá bebido ao jantar... 

Do outro lado, quem só é passista de ocasião deu de imediato início à estratégica contenção de danos. Ver o Costa da SIC, irmão do outro Costa e, como ele e tantos socialistas, grande interessado na vitória passista, a justificar o suicídio político de Passos Coelho com a inabilidade do candidato para "gerir o tempo de discurso" devia dar que pensar a um militante com dois dedos de testa. Pois, Costa, deve ser isso...

Por último, "o bottom line". Para o eleitor comum, desligado afectivamente dos estados de alma do PSD e que tenha tido a infelicidade de assistir a um dos discursos de Passos Coelho, o veredicto é fatal e resume-se numa frase: o homem não cumpre os mínimos. 

E é nisso que os militantes do PSD terão de pensar nas duas próximas semanas. Ao menos para isso o Congresso serviu. O que já não é pouco.