Monday, 15 March 2010

Leis e Rolhas

Ler ontem na blogosfera o desfiar de indignações  sobre a já cognominada Lei da Rolha do PSD fez-me sorrir. 

Não digo evidentemente que a norma aprovada ontem não seja muito discutível, mas impressionam-me sempre os consensos politicamente correctos sobre uma liberdade de expressão, mal concebida e interpretada. Especialmente quando a comunidade blogger - que se arvora nestes e noutros casos um papel de tesoureira dessa liberdade - continua a praticar hoje e sempre os mesmos tipo de "vícios estalinistas" que critica aos partidos políticos (quantos bloggers eliminam comentários perfeitamente legítimos  e educados, se isso até acontece em blogues tradicionalmente liberais como o Blasfémias?). 

Sucede que, de um ponto de vista liberal, a norma aprovada nos estatutos do partido social-democrata é perfeitamente legítima. Um partido é uma associação privada, no qual se filia quem quer e sempre no respeito das regras internas. Repito, de um ponto de vista liberal, as normas sobre direitos, liberdades e garantias, nos quais se inclui a liberdade de expressão, não se aplicam directamente a particulares e pessoas colectivas. Donde as limitações a tais direitos se devam considerar perfeitamente constitucionais numa perspectiva liberal, por muito criticáveis que sejam do ponto de vista político.

Só assim não seria se se considerasse que, sendo financiados pelo Estado, os partidos políticos deviam ser equiparados a entidades públicas e sujeitos ao mesmo regime. Mas também por aí a tese morre: num regime liberal o financiamento dos partidos seria exclusivamente privado (e sujeito - o que não vem ao caso - a escrutínio público). Concluindo, a tese mantém-se: uma norma deste tipo numa sociedade liberal, com uma constituição do mesmo tipo, seria perfeitamente conforme às leis do país. 

Já não assim no caso da constituição portuguesa, que, como se sabe, nada tem de liberal. Numa constituição desse tipo, e dada a aplicabilidade directa de tais normas a entidades privadas, a proibição imposta pelo Congresso do PSD poderá muito bem ser inconstitucional. Mas é o tipo de inconstitucionalidades que qualquer liberal criticaria. Por outras palavras, é do mesmo tipo de inconstitucionalidades que leva a que um condomínio para pessoas idosas não possa proibir a existência de crianças ou animais de estimação no prédio, porque isso atentaria contra a pseudo-liberdade do condómino que aceitou o regulamento do condomínio e agora quer ter crianças ou animais de estimação, perturbando, desse modo, o sossego dos outros condóminos.  

Resta a questão política. E aí torna-se evidente que não faz muito sentido um partido político - palco natural de discussão política acesa e constante - aprove uma norma destas que inevitavelmente limita tal discussão e reduz, de facto, ainda que, repito, legitimamente, a liberdade de expressão dos seus militantes. Assim como não faz sentido que o PSD se preste a tamanho tiro no pé, sabendo que se mantém actual a necessidade de se opor frontalmente à claustrofobia democrática que se viveu nos últimos anos e vive ainda hoje em Portugal, tristemente exemplificada no interrogatório policial a que foram sujeitos professores e alunos, participantes numa manifestação ainda há pouco tempo. E que, lembre-se, não mereceu na altura metade dos posts e comentários que esta norma recebeu ontem da parte da comunidade blogger e da comunicação social em geral. 

O problema destes coros de indignação é, aliás, esse. Tudo misturam e diluem no mesmo ruído incapaz de manter e cultivar as distinções éticas e políticas necessárias à preservação de um ambiente político saudável. Para puro deleite e felicidade do Dr. Vitalino Canas, como se viu também ontem. 

Nota 1: Ora, ora. Será que isto (último parágrafo da notícia) será falado nas próximas horas? O Dr. Vitalino Canas terá de responder a perguntas sobre a Lei da Rolha estalinista que aparentemente o PS também tem? E quem é que desta vez se indigna? Todos ou só alguns?

Nota 2: Santana Lopes explica-se bem na Sic-Notícias. A duplicidade de critérios relativamente aos estatutos dos diferentes partidos - falo evidentemente do PS - é gritante. Mas é o que temos em matéria jornalística e "de opinião".