Monday 15 March 2010

Cavaco e o casamento gay

A habitual ignorância e superficialidade dos "media" nacionais já noticiou e comentou de forma positiva o envio da lei do casamento entre pessoas do mesmo sexo para o Tribunal Constitucional.

À excepção honrosa do "I" - que trata a questão com maior profundidade na edição de hoje - de fora do radar míope da maior parte da comunicação social portuguesa ficou a notícia principal: o PR resolveu não pedir a fiscalização da norma mais polémica e previsivelmente inconstitucional que veda a adopção aos casais do mesmo sexo.

Isto é, ao PR aparentemente não interessou questionar uma norma que, não só estabelece casamentos "de primeira" e "de segunda", permitindo a adopção aos primeiros e não os segundos, como também não interessou que tal norma venha criar uma discriminação evidente entre homossexuais, mais precisamente entre os solteiros, que podem adoptar, e os casados que, por o serem, deixam de poder. Mais, nem sequer chocou um PR supostamente conservador a circunstância de a referida norma pressupor uma verdadeira aberração jurídica e ética que passa por obrigar um gay casado a divorciar-se para poder cumprir o eventual sonho de ser pai, distorcendo-se dessa forma por completo qualquer concepção minimamente inteligível do casamento, seja para heteros, gays, bissexuais, polígamos ou ursos polares.

Perante isto, pergunta-se: para que serve ter um Presidente que constitucionalmente se pretende que seja o guardião da constituição se a fiscalização preventiva é requerida pelo mesmo de acordo com estratégias de mera agenda política, no caso, para evitar que a adopção por casais gays seja discutida na AR durante esta legislatura? Mais do que isso, faz algum sentido que o Tribunal Constitucional seja instrumentalizado desta forma e obrigado a não declarar uma inconstitucionalidade evidente para o ter de fazer mais tarde em sede de fiscalização sucessiva concreta, com a consequência, nessa hipótese, de a questão da adopção nem sequer passar por uma discussão parlamentar? Enfim, absurdos presidenciais.

Isto dito, quanto à resposta previsível do TC, vale lembrar a argumentação apresentada no último acórdão sobre o assunto (ac. TC. 359/2009), o da Lena e da Teresa, essas mártires da causa gay:

«As considerações que antecedem não devem ser entendidas como envolvendo a aceitação de que o casamento reveste, no artigo 36.º da Constituição, o alcance de uma garantia, no sentido de que a norma constitucional apenas se teria limitado a receber no seu seio, definitivamente, o conceito de casamento vigente em dado momento na lei civil. Não é possível conceber as garantias institucionais deste modo, tomando como parâmetro de aferição da tutela constitucional não a Constituição, mas a lei ordinária. Com efeito, não se aceita o entendimento segundo o qual o casamento objecto de tutela constitucional envolve uma petrificação do casamento tal como este é hoje definido na lei civil, excluindo o reconhecimento jurídico de outras comunhões de vida entre pessoas»

Parece-me, pois, muito provável que o TC reitere o entendimento citado, segundo o qual a Constituição não impôe a visão tradicional do casamento - não obrigando, portanto, o legislador a proibir o casamento entre pessoas do mesmo sexo -, tanto quanto não impunha ao parlamento a obrigação de legislar no sentido de alargar o casamento aos pares homossexuais, como sustentado pelas recorrentes naquele acórdão, a partir de uma interpretação errada do princípio da igualdade.