Friday, 19 March 2010

Fim de emissão

Nada se perde, nada se ganha, tudo se transforma.

Monday, 15 March 2010

Cavaco e o casamento gay

A habitual ignorância e superficialidade dos "media" nacionais já noticiou e comentou de forma positiva o envio da lei do casamento entre pessoas do mesmo sexo para o Tribunal Constitucional.

À excepção honrosa do "I" - que trata a questão com maior profundidade na edição de hoje - de fora do radar míope da maior parte da comunicação social portuguesa ficou a notícia principal: o PR resolveu não pedir a fiscalização da norma mais polémica e previsivelmente inconstitucional que veda a adopção aos casais do mesmo sexo.

Isto é, ao PR aparentemente não interessou questionar uma norma que, não só estabelece casamentos "de primeira" e "de segunda", permitindo a adopção aos primeiros e não os segundos, como também não interessou que tal norma venha criar uma discriminação evidente entre homossexuais, mais precisamente entre os solteiros, que podem adoptar, e os casados que, por o serem, deixam de poder. Mais, nem sequer chocou um PR supostamente conservador a circunstância de a referida norma pressupor uma verdadeira aberração jurídica e ética que passa por obrigar um gay casado a divorciar-se para poder cumprir o eventual sonho de ser pai, distorcendo-se dessa forma por completo qualquer concepção minimamente inteligível do casamento, seja para heteros, gays, bissexuais, polígamos ou ursos polares.

Perante isto, pergunta-se: para que serve ter um Presidente que constitucionalmente se pretende que seja o guardião da constituição se a fiscalização preventiva é requerida pelo mesmo de acordo com estratégias de mera agenda política, no caso, para evitar que a adopção por casais gays seja discutida na AR durante esta legislatura? Mais do que isso, faz algum sentido que o Tribunal Constitucional seja instrumentalizado desta forma e obrigado a não declarar uma inconstitucionalidade evidente para o ter de fazer mais tarde em sede de fiscalização sucessiva concreta, com a consequência, nessa hipótese, de a questão da adopção nem sequer passar por uma discussão parlamentar? Enfim, absurdos presidenciais.

Isto dito, quanto à resposta previsível do TC, vale lembrar a argumentação apresentada no último acórdão sobre o assunto (ac. TC. 359/2009), o da Lena e da Teresa, essas mártires da causa gay:

«As considerações que antecedem não devem ser entendidas como envolvendo a aceitação de que o casamento reveste, no artigo 36.º da Constituição, o alcance de uma garantia, no sentido de que a norma constitucional apenas se teria limitado a receber no seu seio, definitivamente, o conceito de casamento vigente em dado momento na lei civil. Não é possível conceber as garantias institucionais deste modo, tomando como parâmetro de aferição da tutela constitucional não a Constituição, mas a lei ordinária. Com efeito, não se aceita o entendimento segundo o qual o casamento objecto de tutela constitucional envolve uma petrificação do casamento tal como este é hoje definido na lei civil, excluindo o reconhecimento jurídico de outras comunhões de vida entre pessoas»

Parece-me, pois, muito provável que o TC reitere o entendimento citado, segundo o qual a Constituição não impôe a visão tradicional do casamento - não obrigando, portanto, o legislador a proibir o casamento entre pessoas do mesmo sexo -, tanto quanto não impunha ao parlamento a obrigação de legislar no sentido de alargar o casamento aos pares homossexuais, como sustentado pelas recorrentes naquele acórdão, a partir de uma interpretação errada do princípio da igualdade.




Leis e Rolhas

Ler ontem na blogosfera o desfiar de indignações  sobre a já cognominada Lei da Rolha do PSD fez-me sorrir. 

Não digo evidentemente que a norma aprovada ontem não seja muito discutível, mas impressionam-me sempre os consensos politicamente correctos sobre uma liberdade de expressão, mal concebida e interpretada. Especialmente quando a comunidade blogger - que se arvora nestes e noutros casos um papel de tesoureira dessa liberdade - continua a praticar hoje e sempre os mesmos tipo de "vícios estalinistas" que critica aos partidos políticos (quantos bloggers eliminam comentários perfeitamente legítimos  e educados, se isso até acontece em blogues tradicionalmente liberais como o Blasfémias?). 

Sucede que, de um ponto de vista liberal, a norma aprovada nos estatutos do partido social-democrata é perfeitamente legítima. Um partido é uma associação privada, no qual se filia quem quer e sempre no respeito das regras internas. Repito, de um ponto de vista liberal, as normas sobre direitos, liberdades e garantias, nos quais se inclui a liberdade de expressão, não se aplicam directamente a particulares e pessoas colectivas. Donde as limitações a tais direitos se devam considerar perfeitamente constitucionais numa perspectiva liberal, por muito criticáveis que sejam do ponto de vista político.

Só assim não seria se se considerasse que, sendo financiados pelo Estado, os partidos políticos deviam ser equiparados a entidades públicas e sujeitos ao mesmo regime. Mas também por aí a tese morre: num regime liberal o financiamento dos partidos seria exclusivamente privado (e sujeito - o que não vem ao caso - a escrutínio público). Concluindo, a tese mantém-se: uma norma deste tipo numa sociedade liberal, com uma constituição do mesmo tipo, seria perfeitamente conforme às leis do país. 

Já não assim no caso da constituição portuguesa, que, como se sabe, nada tem de liberal. Numa constituição desse tipo, e dada a aplicabilidade directa de tais normas a entidades privadas, a proibição imposta pelo Congresso do PSD poderá muito bem ser inconstitucional. Mas é o tipo de inconstitucionalidades que qualquer liberal criticaria. Por outras palavras, é do mesmo tipo de inconstitucionalidades que leva a que um condomínio para pessoas idosas não possa proibir a existência de crianças ou animais de estimação no prédio, porque isso atentaria contra a pseudo-liberdade do condómino que aceitou o regulamento do condomínio e agora quer ter crianças ou animais de estimação, perturbando, desse modo, o sossego dos outros condóminos.  

Resta a questão política. E aí torna-se evidente que não faz muito sentido um partido político - palco natural de discussão política acesa e constante - aprove uma norma destas que inevitavelmente limita tal discussão e reduz, de facto, ainda que, repito, legitimamente, a liberdade de expressão dos seus militantes. Assim como não faz sentido que o PSD se preste a tamanho tiro no pé, sabendo que se mantém actual a necessidade de se opor frontalmente à claustrofobia democrática que se viveu nos últimos anos e vive ainda hoje em Portugal, tristemente exemplificada no interrogatório policial a que foram sujeitos professores e alunos, participantes numa manifestação ainda há pouco tempo. E que, lembre-se, não mereceu na altura metade dos posts e comentários que esta norma recebeu ontem da parte da comunidade blogger e da comunicação social em geral. 

O problema destes coros de indignação é, aliás, esse. Tudo misturam e diluem no mesmo ruído incapaz de manter e cultivar as distinções éticas e políticas necessárias à preservação de um ambiente político saudável. Para puro deleite e felicidade do Dr. Vitalino Canas, como se viu também ontem. 

Nota 1: Ora, ora. Será que isto (último parágrafo da notícia) será falado nas próximas horas? O Dr. Vitalino Canas terá de responder a perguntas sobre a Lei da Rolha estalinista que aparentemente o PS também tem? E quem é que desta vez se indigna? Todos ou só alguns?

Nota 2: Santana Lopes explica-se bem na Sic-Notícias. A duplicidade de critérios relativamente aos estatutos dos diferentes partidos - falo evidentemente do PS - é gritante. Mas é o que temos em matéria jornalística e "de opinião". 



 



Sunday, 14 March 2010

O Erro Fatal


Nos próximos dias Rangel será provavelmente qualificado como o "candidato populista".  Acenou, afinal, com a maioria absoluta e até com o sonho nunca concretizado de Sá Carneiro, numa altura a todos os títulos improvável.  Fê-lo em dois discursos excelentes e galvanizadores que o poder mediático, nas mãos de Passos Coelho e, sobretudo, de José Sócrates, a quem interessa sobremaneira a vitória do passismo, se encarregarão de desvalorizar e amesquinhar. Nada que não tivesse acontecido com Manuela Ferreira Leite a quem, fraco consolo, se reconhece hoje unanimamente ter tido razão "antes de tempo" (enganam-se: teve-a no tempo devido). 

Em matéria de populismo tem, porém, o PSD mais com que se preocupar. A estratégia mais populista, demagógica e por isso mesmo mais perigosa para o partido passa por provocar eleições num momento de imaginada fragilidade socialista, apresentando para o efeito um candidato débil, com um passado obscuro e incapaz de proferir um discurso político digno desse nome. Mais, um candidato cujas propostas liberais avulsas, despidas de um pano de fundo teórico minimamente inteligível, provocarão repulsa imediata nos sete milhões de portugueses dependentes do Estado.  

Na vertigem do poder, acicatada pelas juras de chumbos convenientemente póstumos ao PEC e ao orçamento,  será esse o golpe final num partido visivelmente debilitado aos olhos da opinião pública. Sejamos claros. Passos Coelho é o "sitting duck" com que Sócrates sonha, o candidato ideal para os socialistas sob todos os pontos de vista: 

- percurso parecido com o do PM (o que os Abrantes farão com "estórias" como as da Sábado...);

-  absoluta incapacidade de discursar e de galvanizar audiências, mesmo quando favoráveis; 

- propostas liberais avulsas e por isso socialmente fracturantes num país dependente do Estado;  

- apoios perigosos (Marco António, Menezes, Ruas e a generalidade dos caciques locais do PSD). 

A vitória socialista será obtida sem esforço e, mais do que isso, constituirá eventualmente o golpe final no PSD com que Portas há muito vem sonhando, mortinho que está por apanhar os restos do que foi em tempos um grande partido e alçar o CDS à condição de grande partido da oposição. 

Qual a solução para tudo isto? Só vejo uma: obrigar o PS a governar em tempos de "apertar do cinto", forçando Sócrates a sofrer as agruras das suas políticas, e esperar pelo fim da legislatura para, então sim, tentar voltar ao poder com um projecto amadurecido por três anos de oposição firme e resoluta, mas também responsável, para com o país e o partido. Quem a pode protagonizar? Evidentemente, a única pessoa que percebe o que estará em jogo nos próximos três anos: Rangel.   


 

Lições de Mafra - Passos Coelho não cumpre os mínimos

A iniciativa meritória de Santana Lopes de convocar um congresso - muito criticado pelos apoiantes de Passos Coelho - traduziu-se num sucesso para o partido, ainda que muito tenha prejudicado a viabilidade nacional dessa candidatura. Por razões óbvias.

A capacidade de discurso é essencial a qualquer político que alguma vez queira vir a ser primeiro-ministro. Constitui - nem é preciso meter o "explicador" - um requisito mínimo para quem aspire ao cargo. O que se viu no congresso de hoje permite uma conclusão evidente: Passos Coelho não cumpre os mínimos. 

Quando se esperava num primeiro discurso que o candidato se dirigisse ao partido e ao país para dizer "ao que vem" e que propostas tem para contrapor ao descalabro socialista, o que se viu e ouviu foi uma peregrinação quase anedótica e em tom justificativo pelo seu percurso de vida, desde o berço até à administração da empresa do padrinho - "Ó Ângelo, estás aí Ângelo?" -, passando pelos tempos de jotinha laranjinha. Como se tal tivesse o mínimo interesse para os eleitores ou sequer para os militantes que querem dele uma coisa muito simples: um programa que permita derrotar os socialistas. 

Mas o pior ainda não tinha chegado: Passos Coelho termina a intervenção a exigir o perdão da parte de Alberto João Jardim a quem, numa situação de tragédia que contabilizou mais de quarenta mortes, atacou ferozmente sem razão aparente. "Saiu-lhe mal", dizia Marcelo, que faz de Pilatos neste congresso em busca de uma unanimidade em torno da sua figura, que tem tanto de inútil como de desprezível. Não foi isso, Marcelo. Saiu-lhe como ele quis que saísse e deu-se o caso de nem os seus apoiantes mais ferozes terem podido justificar a ofensa. O que é bem diferente.  

Mas não foi tudo, porque o segundo discurso da noite serviu sobretudo para o candidato desdizer tudo o que tem vindo a afirmar nos últimos tempos. Lembremos o tom das intervenções anteriores: chumbo do orçamento, chumbo do PEC, demissão do PGR,  declarações tonitruantes -"governo está ferido de morte", só lhe falta a "estocada final"-, enfim, delírios avulsos para o militante sonhar que o poder está aí à distância de uns passinhos de coelho. Ora bem, tudo somado o que se retira agora de um total de quarenta e cinco minutos de discurso? Qual é agora a grande mensagem passista ao congresso, feita em forma de iluminação divina susurrada aos militantes? Pois, é isso: o pedido ao governo para que espere uns dias de modo a... poder ser Passos Coelho a selar o negócio do PEC com o Engenheiro Sócrates.  Estamos conversados quantos aos sonhos e aspirações do candidato.

Sociologicamente tão interessante como a débacle em directo para a televisão do candidato, foi o comportamento das suas hostes. Nestas duas intervenções constrangedoras, o silêncio geral da claque organizada que acompanhou os discursos de Passos Coelho assemelhou-se em tudo à descrição de Eça do comportamento dos espectadores que assistiam intervenções do Pacheco, essa luminária inventada pela prosa queirosiana das Correspondências de Fradique Mendes. Tal como com Pacheco, a multidão passista esperou e desesperou por uma revelação, uma iluminação, um golpe do génio imenso passista e, incrédula, ainda está para perceber como esse momento nunca chegou. 

Havia que compensar o desalento e da cartola do Congresso saiu um coelho que dá pelo título de autarca das Caldas e que no seu jeito boçal fez de Ribau de Passos. Discursos como os PPC exigem, de facto, medidas desesperadas. E muitos copos de tintol que, segundo rezam as crónicas da sic-notícias, o autarca terá bebido ao jantar... 

Do outro lado, quem só é passista de ocasião deu de imediato início à estratégica contenção de danos. Ver o Costa da SIC, irmão do outro Costa e, como ele e tantos socialistas, grande interessado na vitória passista, a justificar o suicídio político de Passos Coelho com a inabilidade do candidato para "gerir o tempo de discurso" devia dar que pensar a um militante com dois dedos de testa. Pois, Costa, deve ser isso...

Por último, "o bottom line". Para o eleitor comum, desligado afectivamente dos estados de alma do PSD e que tenha tido a infelicidade de assistir a um dos discursos de Passos Coelho, o veredicto é fatal e resume-se numa frase: o homem não cumpre os mínimos. 

E é nisso que os militantes do PSD terão de pensar nas duas próximas semanas. Ao menos para isso o Congresso serviu. O que já não é pouco.


Tuesday, 9 March 2010

Do cinismo do eleitor português

Pedro Lomba, no seu artigo de hoje no Público (sem link), constata o óbvio: "Por isso dou razão a quem tem insistido na absurda fraude que foram as eleições de 27 de Setembro. É oficial: fomos mesmo enganados".

Já Pulido Valente, em artigo, salvo erro, de sexta-feira passada, dissertava sobre o aparente conforto com que os portugueses encaram a mentira como instrumento do poder socialista, tolerada pela maioria a troco de nada, porque nada de bom é o que o governo tem para oferecer aos eleitores nos dias que correm.

Tudo isto tem uma explicação. O cinismo português relativamente à classe política é puramente destrutivo. É o cinismo do taxista para quem "os políticos" são uma "corja" que "come na gamela" de que falava a candidata Elisa Ferreira. E, portanto, se todos os políticos são mentirosos, indiferente se torna apoiar o político A ou B, porque todos eles, em qualquer altura, violarão o contrato eleitoral.

Longe de se tratar de uma posição crítica que passe por uma desconfiança construtiva relativamente a diferentes propostas políticas e que, por isso, seja capaz de separar o trigo do joio, o cinismo português possibilita, pelo contrário, pela indistinção e indiferença com que trata os diferentes partidos e protagonistas políticos, a aceitação das maiores fraudes. Como aquela em que se tornaram as eleições de Setembro passado.  Em suma, um cinismo perigoso e suicida. 

Perante isto, esqueçam os candidatos à liderança do PSD qualquer possibilidade de arrependimento dos portugueses. O cinismo é militante, pelo que nem confrontado com a aceitação da maior fraude eleitoral de que há memória, haverá da parte dos eleitores o menor sinal de arrependimento ou de vontade de mudança. Que assim é, mostra-o o facto  de "a fraude" permanecer à frente nas sondagens com uma vantagem confortável sobre o maior partido da oposição. Cinismo situacionista, portanto, o do eleitor português.


Directas no PSD (III) - A Justiça

Sobre o estado lamentável da Justiça pouco se tem ouvido falar no debate interno do PSD. 

As declarações de Passos Coelho a pedir ao governo que demita o PGR vão directamente para o anedotário nacional, senão para os anais do cinismo político. Ninguém desconhecerá que a queda de Pinto Monteiro propiciaria muito provavelmente a queda do próprio governo, sendo a sobrevivência política daquele inevitável à continuação deste, nem que, para isso, o PGR continue ligado à máquina até ao fim do seu mandato. Destino com o qual, aliás, se parece conformar. 

No fundo, com tais declarações, Passos Coelho confirma as semelhanças de estilo político com o actual governo: toma-nos por parvos, sem qualquer espécie de reserva moral e política.  Isto dito, sobre os problemas mais comezinhos que afectam o cidadão comum, em particular, a morosidade do sistema de justiça, nada, zero, nicles. Talvez seja melhor assim...

Da parte de Aguiar Branco, as últimas declarações fazem temer o pior. A acreditar em fontes próximas, o candidato terá defendido na SOP, que "é fundamental haver um responsável pela Justiça, um rosto que possa ser responsabilizado, e que tenha como função garantir o funcionamento de um Conselho Superior de Justiça". Mesmo descontando o facto de se tratar de declarações de circunstância, a frase mete medo. Porquê? Pela simples razão de que estamos fartos de ver e saber o que dá haver "responsáveis" pela Justiça (Pinto Monteiro "comes to mind") e, sobretudo, de perceber a forma como actuam quando a temperatura sobe a propósito de casos mediáticos que envolvem figuras do regime. 

Igualmente grave só o facto de Aguiar Branco ter sido ministro da pasta e, por isso, ter obrigação de conhecer os problemas corriqueiros do sistema, todos eles diagnosticados e de elenco fácil:  excesso de garantismo nos processos penal e civil,  falta de meios da parte dos auxiliares do sistema (instituto de medicina legal, serviços de assistência social, etc...) e litigância massiva por parte dos grandes utilizadores do sistema (bancos, seguradoras, por aí fora).  Que o candidato não consiga ou não queira alinhavar duas ou três propostas para resolver estes e outros problemas do sector, dá que pensar sobre a razão de ser da sua candidatura à liderança do partido.

 Finalmente, de Rangel - também, não há muito tempo, com responsabilidades políticas nessa área - deve esperar-se mais. Até agora, fica-se por declarações acertadas -embora de circunstância - sobre a necessária redução das garantias processuais do sistema por via da diminuição de recursos e pela atribuição de um novo papel aos juízes, o qual deverá passará por uma maior discricionariedade nas decisões processuais relativamente às quais possa estar em causa o bom andamento do processo. 

Embora, repita-se, na linha correcta, tais declarações sabem-me a pouco. Tentarei, por isso, no próximo post alinhavar algumas das propostas que me parecem decisivas para o sector, na esperança de que um dia algumas delas vejam a luz do dia e o PSD passe a apresentar um discurso coerente sobre a Justiça. 


Monday, 8 March 2010

Directas no PSD (II) - A Educação

A apresentação de propostas por parte dos candidatos em qualquer eleição transformou-se num exercício eleitoralmente perigoso pelas circunstâncias que já elenquei

Exemplo disso mesmo é a proposta de Rangel de introduzir a partir do sétimo ano uma via de ensino semi-profissionalizante para alunos que não queiram ou não possam prosseguir os seus estudos na via tradicional / académica, proposta essa que não só permitiria libertar o ensino tradicional para maiores graus de exigência, com também possibilitaria a adequação da oferta escolar às necessidades dos alunos e do mercado. 

Começando pela posição de Aguiar Branco, segundo a qual a proposta nada teria de novo, estando no programa do PSD e traduzindo o que existe em matéria de oferta de educação no sistema público de ensino, é fácil de constatar a evidente falsidade da mesma (mais uma vez, aqui o fact check daria jeito). O que existe, de facto, é a possibilidade de escolha do ensino profissional a partir do nono ano, sem que antes exista qualquer reencaminhamento dos alunos que não queiram ou não possam seguir a via académica para alternativas de ensino que correspondam aos seus objectivos pessoais. 

De acordo com Passos Coelho, num registo panglossiano, tudo correria bem no ensino em Portugal e quaisquer sinais de desgaste do sistema seriam devidos à massificação do mesmo no período a seguir à Revolução, sem que tal pusesse em causa a qualificação dos professores (que ninguém questionou) ou a qualidade do ensino. Aparentemente a existência de passagens administrativas de alunos com oito ou nove reprovações em quatorze disciplinas, não o incomoda, tanto assim que o vemos adoptar  a ladaínha socialista, segundo a qual tudo o que de mal acontece, acontece porque tinha de acontecer. Preparem-se que teremos muito disto nos próximos anos, a acreditar nas pitonisas da sic-notícias que juram pela vitória do candidato preferido dos socialistas.

Já da parte de alguns liberais, a resposta é uma espécie de falso dilema: ou a liberdade de escolha ou nada, passando por cima da constatação banal de que até entre sistemas de ensino público existem gradações significativas que obrigam a escolhas políticas.  E que, por isso, será sempre preferível o modelo de Rangel ao vigente, atento o facto de nenhum dos outros candidatos, nem, para o caso, ninguém em Portugal, defender a privatização do sistema nos próximos tempos. Já para não falar no absurdo que seria a transição de um modelo público para um modelo privado, sem quaisquer passos intermédios, entre os quais aqueles que, como a proposta de Rangel, permitem a adequação do ensino à procura dos alunos e do mercado, ao mesmo tempo que aumentam a liberdade de escolha de pais e alunos. 

E estamos assim. A proposta de Rangel é péssima, porque ou "tudo está bem" (Passos Coelho) ou "é mais do mesmo, mesmo que o "mesmo" seja diferente" (Aguiar Branco) ou, ainda, é má por definição, porque não corresponde ao nosso "wet dream liberal".

Qualquer pessoa decente perguntaria: "mas então como se propôem combater situações como a dos alunos que passam com mais de oito chumbos em quatorze disciplinas?" Resposta: silêncio. E continuaria: "mas então qual é o problema de um sistema análogo ao alemão em que as escolas procedem a uma triagem dos alunos, segundo as suas capacidades, e os reencaminham para vias de ensino diferentes, sempre sem prejuízo do ingresso na faculdade para os alunos que obtiverem notas suficientes?" Embaraço.

Quando muito, dirão como o RAF que a proposta de Rangel é "fascizante" para fim de discussão. E, de facto, a discussão acaba aí.  Mas apenas por se ter atingido o grau zero da mesma.




Até jazz


Directas no PSD (I) - Considerações Gerais

A uma semana do Congresso e a três das Directas,  é já possível fazer uma análise mais profunda do que têm sido os debates entre os candidatos à liderança do PSD. 

Antes de mais, reflectem-se nestas eleições as tendências negativas que têm vindo a diminuir a qualidade do debate público em Portugal: a pessoalização da política (vide, na questão da comunicação da candidatura de Rangel a Aguiar Branco por sms), a valorização de truques baixos de retórica (a menorização de um dos candidatos em virtude dos seus anos de militância) em detrimento da apresentação de propostas (no caso, a ausência das mesmas por parte de AB), a centralização do fogo inimigo em quem as apresenta, bem como, e finalmente, a avaliação de vencedores e vencidos em função destes critérios. O que, como é fácil de perceber, em vez de reduzir tais tendências à expressão mínima, apenas as alimenta e perpetua para futuros debates. 

Temos muito aprender com os americanos nesta matéria, a começar por um instrumento simples que deveria ser obrigatório em qualquer análise política de debates: o "fact check" que se segue a qualquer debate americano e que passa muito simplesmente por confrontar os "factos" apresentados pelos candidatos com a realidade, apurando-se, a final, o "vencedor" em função de quem disse "verdade" aos eleitores e não de "quem lixou bem o adversário".

Mas sendo a realidade portuguesa como é, fácil se torna considerar, em uníssono com a quase totalidade dos comentadores nacionais, que Rangel tem "desiludido" e que, pelo contrário, os outros candidatos têm constituído "agradáveis surpresas". Afinal, Rangel tem estado na defensiva, porque se vê obrigado a defender as suas propostas, enquanto que os outros se apresentam "ao ataque", seja porque não se acham vinculados à apresentação de propostas (JPAB) , seja porque passam por elas à velocidade da luz (Passos Coelho), sem qualquer propósito de esclarecer os militantes. 

Resta que o que se tem discutido são precisamente as propostas de Rangel sobre educação e ordenação do território. O que se discute também é a posição dos socialistas relativamente às directas no PSD e o facto de patrocinarem Passos Coelho a favor da perspectiva de uma oposição dócil e facilmente influenciável para pactos de regime, circunstância que só poderá assustar os militantes do PSD, maioritariamente a favor de uma oposição agressiva que só Rangel pode protagonizar.  

Os dados estão lançados e é altura de Rangel começar a capitalizar as suas vantagens competitivas.

 


Wednesday, 3 March 2010

"Roberto" Passos Coelho

Passos Coelho desiludiu no debate de ontem, essencialmente pela falta de genuidade sempre que fala, secundariamente pelos ataques baixos que dirigiu ao seu adversário. A preparação por detrás de tudo o que diz é óbvia, mas soa tudo tão artificial e emprestado de outros que se torna impossível não reter o vazio original deste candidato a primeiro-ministro, mais do que o empenho em estudar os dossiers e em preparar-se. Um político precisa de bons conselheiros mas se não for mais do que a soma deles não serve para nada. Não precisamos de um "roberto" em S. Bento.

Rangel esteve bem em não se calar perante as investidas baixas de Passos Coelho, respondendo a cada uma das "bocas" por ele lançadas. Uma das supostas vantagens de Passos Coelho - os 30 anos de PSD que ele leva, e que lhe deram um bom poder comunicativo e a pose de jotinha vintage -, é um handicap para governar o país no actual momento. Como se sugere aqui, a mudança que ele preconiza é pouco mais que um regresso ao passado, do regresso a um discurso leve e fácil de digerir mas que prolongará o declínio e o adiamento de algumas rupturas necessárias. Se os militantes do PSD se preocuparão com isso é outra questão.

A escola não é uma empresa

Que o João Miranda critique o discurso de Paulo Rangel sobre a Educação é um bom sinal. Na escola não se vendem seguros automóvel e nem os alunos não são clientes nem os professores e o corpo directivo são fornecedores. A avaliação dos professores é um bom exemplo de uma medida provavelmente bem intencionada, e que faz todo o sentido na maior parte das empresas, mas errada no contexto da escola portuguesa actual. A escola e os professores precisam de mais autoridade, não de precaridade. Os alunos precisam de chumbar quando devem chumbar e não de prosseguirem a bem das estatíticas e da imagem de Sócrates. Um professor deve preocupar-se fundamentalmente com ensinar devidamente os alunos e não com burocracias infindáveis. Que alguns consultores achem giro aplicar "score cards" à escola, cheios de processos e tecnologia, não admira, mas a eles eu prefiro lembrar a escola grega, em que os professores não eram avaliados mas eram respeitados.

O vómito, segundo Mascarenhas

Aqui. "Mas o i encontrou o seu autor", lê-se. Gosto deste "encontrou". Bem macio, bem jumento.

Tuesday, 2 March 2010

Um homem livre e generoso

Vejo a entrevista de Sócrates a Miguel Sousa Tavares depois do debate Passos-Rangel. Não vale a pena comentar em atraso a cara-de-pau de Sócrates. Mas delicio-me com isto: Figo não autorizou a utilização de declarações feitas ao Diário Económico para a campanha do PS, embora tenha resolvido - "homem livre e generoso", diz Sócrates - dar o seu apoio público, sem qualquer contrapartida, no pequeno-almoço mais indisgesto do actual PM. Tão generoso, este Figo, migalhas é para os outros, ele quando dá é em grande.

O modelo A ou B não é solução

O Daniel Oliveira fala aqui da "solução escandinava", para, sem grande surpresa, fazer a sua defesa de um Estado forte. Claro que no caso escandinavo, como de resto em todos os casos (UK, EUA, Portugal, etc), o que importa substancialmente está a montante do Estado, e por isso a insistência desenquadrada sobre o papel do Estado é desinteressante e serve pouco mais que o nosso umbigo. Em vez de notar que "é a forte presença do Estado nas sociedades do norte da Europa que permite uma maior flexibilidade laboral sem rupturas sociais graves", eu proporia, para início de conversa, reflectir sobre como no caso escandinavo é possível ter (de algum modo contradizendo o que dizem certos liberais), simultaneamente um Estado grande e um crescimento económico substancial. Partir daquele caso, cultural e socialmente tão distante de Portugal, apesar da querida Europa, para concluir o que quer que seja sobre o papel do Estado, aplicado a Portugal, merece no mínimo um grande bocejo.

As eleições como prova ilibatória

Por José Gomes André. Palmas. Excertos e sublinhados meus:

"No quadro do argumentário pró-socrático, há um elemento que me perturba especialmente: a referência aos resultados eleitorais como prova de ilibação. Tem sido um clássico: quando se levantam questões sobre o comportamento duvidoso de Sócrates, num plano político-judicial, os seus mais veementes defensores recordam o triunfo de Setembro, em jeito de fim de conversa, descrevendo como ilegítimas ou simplesmente mesquinhas quaisquer críticas ao primeiro-ministro. (...)

O que caracteriza essencialmente uma democracia emancipada não é, portanto, a existência de um processo eleitoral (embora este seja relevante e deva ser respeitado), mas sim a vigência da lei e a existência de instituições independentes capazes de a aplicar a todos os cidadãos. "

Um estratega

Rui Rio apoia Aguiar-Branco. Aguiar-Branco é, dos três anunciados candidatos, aquele que perde nas urnas com quase absoluta certeza. Faz sentido.

Importante, Assustadora, Escandalosa

A capa do "i"; infelizmente não Incrível, Inovadora ou Divertida, para usar os mais que foleiros adjectivos propostos ao leitor online para qualificar a prosa lida. Nunca frequentei o Jumento, suponho que isso não me impeça de subscrever o Gabriel Silva:

"A revelação do nome de pessoa que não é, nem foi, acusada de coisa nenhuma, que não exerce cargo público sujeito a escrutínio, nem sequer relevante, que nada fez ou faz que possa sob qualquer prisma ser de interesse público, é atitude a meu ver totalmente inadmissível."